terça-feira, 3 de novembro de 2015

Produção de Cinema na Planície Goytacá Parte II

Neste post reproduzo entrevista que concedi, agora quase em sua integralidade, publicada na Folha da Manhã ontem, dia 02 de novembro de 2015. 

A entrevista para Paula Vigneron ganhou ares de "ensaio"... Dado que não sou um especialista no tema, fiz uma abordagem "aproximativa" sobre a relação existente entre cinema e sociedade, produção cultural e especialmente a difusão da produção cinematográfica em Campos dos Goytacazes.

Cinema em Campos ainda é artesanal

Paula Vigneron
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), o sociólogo George Coutinho fez uma análise sobre a realidade da produção cinematográfica em Campos nesses últimos anos. Para ele, é necessário que haja profissionalização e participação não somente do poder público, mas também da iniciativa privada. Coutinho destacou também o papel dos cineclubes, como o Cineclube Goitacá e o da Associação de Imprensa Campista (AIC), como fundamentais para a formação de público informado e crítico.
Folha da Manhã – Enquanto sociólogo, qual é a sua opinião sobre o cinema na formação dos grupos sociais? Há relação entre as duas coisas?
George Coutinho – Há uma clara relação entre os grupos sociais, os valores simbólicos em circulação em uma dada sociedade e sua produção “espiritual”. Por espiritual, me refiro aos elementos não materiais fundamentais para compreendermos um dado momento histórico e seu patamar civilizatório. Este terreno imaterial é justamente o espaço da arte. O cinema, como outras formas de expressão artística, mantém uma relação contraditória com a sociedade concreta: tanto reproduz quanto critica o status quo. Ainda, neste caminho, tanto reforça determinados padrões comportamentais e valores quanto incentiva a desconstrução dos parâmetros vigentes. Da mesma forma, o cinema, tal como a literatura ou as artes plásticas e a música, coleta na sociedade, em suas diversas expressões e embates, a matéria prima para a sua produção estética. Ou seja, tanto a sociedade e seus agentes coletivos e individuais utilizam do cinema para elaborarem suas interpretações quanto as artes em geral, e o cinema em particular, “interpretam” esta mesma sociedade a partir de seus critérios próprios. Por razões bastante óbvias, as artes traduzem os elementos concretos e simbólicos da sociedade em uma linguagem estética.
Quanto ao papel do cinema, em termos concretos, há uma dubiedade inerente por tudo o que eu disse. O cinema, expressão artística radicalmente moderna, é utilizado para legitimar a barbárie, a sociedade de consumo ou até mesmo padrões comportamentais patológicos e grupos sociais predatórios. Este rol temático usualmente, embora não seja uma regra rígida, aparece com bastante freqüência nos chamados “blockbusters”, os filmes de grande bilheteria focados em uma tônica de entretenimento pouco reflexivo.
Na outra banda, há uma produção humanista, crítica, dotada de um sopro reflexivo poderoso que justamente, em caminho oposto do reforço do status quo, nos leva a um processo de desnaturalização das relações sociais e nos tira de uma rotina massacrante e “dopada” moralmente para nos estranharmos conosco e com nosso entorno.
Por isso, eu digo que o cinema desempenha papéis. Papéis estes que são aceitos e determinados pelos grupos produtores de cinema, dos técnicos aos diretores, e pelo espectador que seleciona para assistir o que lhe é mais atraente a partir de seu conjunto de crenças e valores.

Folha – Como você enxerga as produções cinematográficas em Campos? Se levarmos em conta o tamanho da cidade e o número de habitantes, há produção suficiente?
George – A produção de cinema em Campos é fomentada por uma produção ainda bastante artesanal e concentrada na modalidade de curtas-metragens. O que acompanho é a confecção de documentários que são, sim, importantes, sobre questões históricas locais ou dramas sociais conjunturais.
O que devemos compreender é que há um avanço tecnológico importante que auxilia a reduzir custos deste tipo de produção aliada a uma prática militante, seja no experimentalismo estético ou especificamente no realismo dos documentários, que torna esta ainda diminuta e nada irrelevante aventura cinematográfica local possível.
Inclusive o termo “militante” é absolutamente pertinente aqui. Sem algum tipo de fé dos empreendedores deste tipo de ação, muito provavelmente nem documentários artesanais teríamos.
Pensando especificamente na produção cinematográfica em termos quantitativos, devemos compreender que ainda falamos de um salto numérico importante só muito recentemente no Brasil. Relatórios específicos sobre o cinema produzido entre nós indicam que há uma profunda concentração regional, existindo polos regionais, notadamente Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Ou seja, pensando nas dimensões continentais de nosso país, certamente ainda é insuficiente. Isto implica outro dado: a captação de recursos financeiros, que permitem a realização deste tipo de empreitada, é igualmente desigual. Há produtoras que “acumulam” recursos de forma hábil e nem sempre utilizando de métodos republicanos na captação.
Diante de tudo isso, Campos poderia ter uma produção mais pujante, porém lida tanto com entraves locais quanto seus produtores enfrentam as desigualdades perversas de um mercado nacional pouco democrático. O que posso dizer é que ainda assim considero um milagre a diminuta produção local que, a partir do esforço pessoal de seus realizadores, por vezes, participa do circuito de mostras nacionais de cinema, mesmo que sejam as mostras mais “underground” e voltadas para o cinema não comercial.

Folha – Em relação à cultura como um todo, acredita que haja investimento e apoio que satisfaçam e incentivem os produtores locais?
George – A produção de cultura em Campos em geral, neste sentido podemos falar para além do cinema, também envolve o sacrifício pessoal de seus produtores. Publicação de livros, sejam os mais “canônicos” e voltados para o público acadêmico, seja no âmbito da ficção ou até mesmo formas literárias como a poesia e as crônicas, contam muitas vezes com o autofinanciamento de seus autores. Quando não é assim, e neste caso os intelectuais organicamente pertencentes ao ensino superior sabem, obtém financiamento das agências usuais como a Faperj – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, ou arriscam submeterem seus originais para as editoras das instituições públicas de ensino. Os autores vinculados a outras formas de produção contam com fomento do poder local de poucos editais, estes por vezes insuficientemente claros e raríssimos, quando existem!
O que é preciso compreender é que o incentivo para gerar uma produção cultural rica e pujante necessita de recursos e precisa se tornar uma rotina, algo que a sociedade civil local é incapaz de sustentar, mesmo com iniciativas heróicas como o Festival Doces Palavras e os cineclubes existentes nas universidades e os fomentados pela Associação de Imprensa Campista ou o Cineclube Goitacá. Estes espaços tornam possível a circulação de produções de origem diversa, formam um “público” informado, algo certamente fundamental para qualquer uma das expressões artísticas que conhecemos, mas é preciso ações sistemáticas. Não incluo somente a prefeitura dentre os responsáveis pela implementação de um cenário mais frutífero. A iniciativa privada precisa igualmente ser mobilizada, assim como os agentes produtores locais precisam de capacitação para participarem de editais como os fornecidos pelo Ministério da Cultura. Afinal, não obstante todo o romantismo do ímpeto impulsivo criador que ronda a produção artística, a Sturm und Drang (tempeste de ímpeto) como diriam os alemães, necessita de profissionalização se não estamos falando dos raros gênios incontestáveis.
Sem este conjunto de ações, aliada a uma formulação séria e rigorosa de política cultural, continuaremos a perder gerações futuras que poderiam ser não somente consumidores passivos de produtos culturais, mas, certamente, poderiam ser produtores e contribuir com o mercado local e nacional.

Folha – Se pudesse sugerir melhorias para a área do cinema campista, o que sugeriria? E o que você acha que precisa ser mantido?
George – Primeiramente, considero que já foi mais árido o cenário. Campos, durante anos consecutivos, viveu a “privatização do consumo de cinema” no momento em que suas salas de exibição fecharam. A apreciação da produção cinematográfica encerrou-se nos lares, sendo um programa privado das famílias que recorriam as hoje quase extintas locadoras de vídeo ou ao que era ofertado pelos canais de TV. Hoje temos maior oferta de cinema em espaços coletivos, embora que notadamente a produção escoada seja mais dos blockbusters, de maior saída comercial.
No âmbito da formação de um público informado e crítico, temos os cineclubes locais. Estes cumprem uma função diversa das salas de cinema comercial ao darem visibilidade a uma produção alternativa, muitas vezes mais ousada e reflexiva que a produção comercial. Porém, por suas características, atendem a um público de menor monta que as salas de cinema convencionais, mas não são menos importantes. Pelo contrário: por darem vazão à transgressão estética, auxiliam a formar um público que irá fomentar os circuitos alternativos e experimentais de cinema. Parte deste público, inclusive, costuma migrar da condição de espectador/consumidor para se tornar parte ativa de produção, algo fundamental para a sobrevivência do cinema enquanto expressão autônoma de uma dada sociedade.
Também no fomento, vimos nos últimos anos cursos de curta duração sendo ofertados, algo que auxilia na profissionalização dos aspirantes a cineasta. Há mostras de cinema, sejam de iniciativa de instituições privadas ou públicas, que igualmente são espaços de difusão desta arte.
Mas, para além de formar profissionais, uma tarefa das instituições de ensino, termos um público informado, tarefa desempenhada por nossos cineclubes, é preciso de recursos sistematicamente disponibilizados para tornar uma produção local sustentável. Sejam editais dotados de periodicidade, rubricas orçamentárias destinadas para esta finalidade previstas etc. Afinal, não desprezando o lema “uma câmera na mão, um idéia na cabeça”, é preciso prover recursos que viabilizem e incentivem a produção artística. Estes não podem ter uma aparição episódica. Afinal, produtores e realizadores de cinema não comem e sustentam suas famílias de forma episódica.
02/11/2015 11:48

Disponível em: http://www.fmanha.com.br/cultura-lazer/cinema-em-campos-ainda-e-artesanal, acesso em 03 de novembro de 2015 Publicado em versão impressa no suplemento cultural "Folha Dois" do Jornal "A Folha da Manhã" de Campos dos Goytacazes em 02 de novembro de 2015.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Produção de cinema na Planície Goytacá Parte I

Na semana passada fui procurado por uma jornalista da Folha Manhã, jornal de circulação no Norte/Noroeste do Estado do Rio, para falar um pouco sobre a produção de cinema em Campos dos Goytacazes, a relação entre cinema e sociedade, etc..
Esta entrevista, feita de forma respeitosa e competente pela jornalista Paula Vigneron, manteve dois links com a "Folha Dois", suplemento cultural do jornal.
O primeiro "produto" foi uma matéria, onde também participaram cineastas locais como Alexandro Florentino e Carlos Alberto Bisogno, que faz um "diagnóstico" do cenário local para a cinematografia. Esta matéria "síntese" foi publicada na Folha de ontem e aqui neste post reproduzo em sua íntegra.
Resultou em um interessante e preocupante balanço sobre a produção cultural em uma cidade onde ainda há muito o que se construir.... Há algo de embrionário... Porém, este embrião, para se tornar maduro, precisa do apoio decisivo do poder público e dos agentes privados locais.

Eis a matéria:


Cinema campista: sem apoio, sofre falta de identidade


Paula Vigneron

Campos poderia ter uma produção (audiovisual) mais pujante, porém lida tanto com entraves locais quanto seus produtores enfrentam as desigualdades perversas de um mercado nacional pouco democrático”, declarou o sociólogo e professor George Coutinho. Para ele, a ausência de recursos públicos e privados destinados à produção cinematográfica no município prejudica o desenvolvimento e o crescimento da área. A opinião do professor é partilhada por produtores campistas, que lamentam as dificuldades geradas pela falta de investimentos e apoios.
Atualmente, no Brasil, são produzidos, em média, 100 longas-metragens por ano, número inferior a produções dos Estados Unidos e do continente europeu. Os dados foram apresentados pelo cineasta e jornalista Alexandro Florentino. A realidade local, no entanto, não pode ser determinada por números.
— Em Campos, não dá pra se fazer uma afirmação com muita convicção, pois não há um trabalho que mapeie e identifique se há ou não produção cinematográfica na cidade. A produção existe, mas é feita de forma completamente independente, ou seja, sem vínculo com qualquer incentivo ou iniciativa dos setores públicos da cidade e muito menos da iniciativa privada — afirmou.
Diretor de documentários — como “Cambaíba” — e curtas-metragens de ficção, Alexandro explicou que seus trabalhos possuem conceito e postura bem definidos.
— Na minha perspectiva, a linguagem audiovisual, neste caso aplicada à realização de filmes, sejam de ficção ou documentário, proporciona-me uma forma de expressar e me relacionar com o mundo social que me rodeia. Deste modo, os filmes acabam tendo um teor ideológico muito forte, pois eles refletem as relações que eu estabeleço com as outras pessoas e também expressão minhas indignações, frustrações a respeito dos acontecimentos cotidianos — contou o cineasta, que destaca os filmes “Artífices: memórias do ensino técnico” e “Ignorados” como os únicos que receberam apoio do Instituto Federal Fluminense (IFF) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), respectivamente.
Para divulgar suas produções, Alexandro os envia para festivais e costuma postá-los em sites especializados. A intenção do jornalista é que haja diálogo e debate acerca de seu trabalho, que não podem ser atrapalhados pela comercialização, tida para ele como “um entrave, principalmente se formos levar em consideração que a maioria da população do nosso país não tem condições de pagar o preço que se cobra pelas salas de cinema para se ver um filme”.
— Se eu não fizer assim, não consigo fazer filme algum, principalmente se for esperando alguma contrapartida do município. Pois não há mecanismos pra se ter acesso a recursos, a não ser que você conheça alguém e vá pedir um apoio ou outro, mas, além de isso ser humilhante, no meu ponto de vista, é imoral. Pois devem existir meios pelos quais todos que produzem possam concorrer e ter as mesmas chances de conseguir recursos pra realizar sua obra, mas não há um mísero edital se quer destinando recursos pra produção audiovisual no município. Ai, o que se tem é um ou outro produzindo, heroicamente, um filme ou outro de tempos em tempo — criticou.
Para ele, é importante que as produções audiovisuais sejam vistas como “ferramenta prática de se lançar livres olhares, de ser livre e experimentar o mundo”. Por meio delas, segundo Alexandro, é possível desmistificar estereótipos que limitam o pensamento humano e a comunicação.
— A partir desta compreensão, é necessário elaborar ferramentas eficientes para que se possa incentivar e proporcionar, de fato, a realização cinematográfica no município. E isso vai de capacitar os professores para que possam cumprir, adequadamente, a Lei nº 13.006, de junho de 2014, que realizar editais com destinação de recursos para a produção de filmes na cidade — afirmou.
O diretor Carlos Alberto Bisogno — que lançará no próximo dia 6, no Sesi-Guarus, o curta “Ondas” e tem no currículo nove trabalhos — também lamentou a falta de investimentos na área de produção cinematográfica em Campos. Para ele, há somente o cinema comercial, a proposta de cineclubes “abertos para a divulgação do grande cinema” e a atuação do Sesi, “grande motor da divulgação da cultura regional”.
— A tão sonhada Escola de Cinema nunca veio, o motor econômico de um Polo Regional de Cinema nunca foi implementado ou mesmo levado a sério. Em 2011 fui convidado pelo então vereador Rogério Matoso e a apresentar o Projeto do Polo de Cinema numa Audiência Pública na Câmara de Vereadores de Campos, mas a ideia não ecoou, e definhando, parece ter morrido em definitivo — contou.
A Prefeitura de Campos, por meio de nota, declarou que “desenvolve nas comunidades carentes e quilombolas o projeto “Cine Zumbi”, com exibição de filmes nacionais e educativos. A municipalidade estuda a criação de um Cine Teatro. Por isso, a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Patrícia Cordeiro, esteve com representantes da Agência Nacional de Cinema (Ancine), no final de 2014, para a construção de um anexo ao Teatro Trianon”.
Escola de Cinema ficou perdida
Nos anos 90, com a construção da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), surgiu a oportunidade da construção da Escola Brasileira de Cinema e Televisão (EBCTV) no polo. De acordo com o Plano Orientador da universidade, a escola seria “integrada à Faculdade de Educação e Comunicação da Uenf”, que funcionaria no Solar do Colégio dos Jesuítas, onde, atualmente, funciona o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. A ideia, no entanto, não foi concretizada.
— No final dos anos 2000, tentativas de formação de um consórcio entre UFF, IFF e a própria Uenf, para tornar o projeto concreto, também não foram adiante, inclusive por dificuldades orçamentárias e congêneres. Uma escola de cinema seria um passo importante na profissionalização da produção cinematográfica local, sem dúvida — assegurou o sociólogo George Coutinho.
O professor, no entanto, ressaltou que, além da formação de profissionais e de público, por meio dos cineclubes, é necessário que sejam sistematicamente disponibilizados recursos, com editais periódicos ou rubricas orçamentárias, que tornem sustentável a produção de Campos. “Afinal, produtores e realizadores de cinema não comem e sustentam suas famílias de forma episódica”, pontuou.
O cineasta Alexandro Florentino destacou a cidade de Recife, no estado de Pernambuco, como um polo de cinema consolidada a partir de ideia semelhante à da EBCTV.
— O que ocorre lá não é fruto do acaso, mas sim de um processo semelhante do que se almejou pra Uenf e, consequentemente, para Campos. O Norte e Noroeste Fluminense só teriam a ganhar, pois, além de instalar um polo de produção criativa na região, incentivaria o desenvolvimento de diversos setores da sociedade, e podemos mencionar alguns exemplos: o fato de a produção cinematográfica movimentar a economia onde ela se realiza, pois se utiliza dos serviços alimentícios locais, hospedagens, papelarias, confecções de figurinos, cenários, mão de obra necessária na composição de uma equipe, como eletricistas, costureiras, especialistas em equipamentos de segurança, entre tantos outros e, também, o turismo — opinou.
“Tem tempo que não vou ao cinema. Tive um filho há pouco tempo. Mas gosto de cinema. Em relação aos filmes, não tenho costume de assistir aos brasileiros e não acompanho as produções de Campos, por não ter tempo e conhecimento. Acho que não é muito noticiado.”
Suelen de Souza Gomes, gerente bancária, 29 anos
“Costumo ir ao cinema. Acho bons os filmes que chegam aqui. É importante porque cinema é cultura, e a cidade cresce com isso. Não assisto às produções campistas por não ser divulgado. A cidade tem que produzir porque é desenvolvimento.”
Rafael Ângelo Rangel, auxiliar de escritório, 29 anos
“Eu vou ao cinema, geralmente, duas vezes ao mês. É muito importante para a cidade por ser forma de cultura. Não conheço as produções de Campos. Falta divulgação para tentar mostrar um pouco o que a cidade tem, para mostrar que podemos fazer algo importante.”
Matheus Leal Monteiro, auxiliar financeiro, 19 anos
“Gosto da programação do cinema, principalmente dos lançamentos nacionais, que estão melhores e são cada vez mais divulgados. Em relação ao cinema em Campos, não acompanho por falta de divulgação. Temos que ter a produção para que seja mostrada.”
Douglas da Silva Barcelos, técnico em logística, 24 anos
“O cinema enriquece a cultura da cidade. Eu não conheço as produções de Campos porque faltam informação e divulgação. Temos que ter essas produções, pois equivale ao enriquecimento da cultura com informações sobre a nossa cidade. Tem que ter, mas deve haver divulgação.”
Guilherme Araújo, bancário, 31 anos
“Gosto de assistir a filmes no cinema, mas não vou muito ao cinema. Não acostumo ver os filmes produzidos em Campos, mas temos que ter porque precisamos mostrar que Campos tem talento e diversão e sabe fazer cinema e que não precisa vir só de fora.”
Scheila Alves, 37 anos, auxiliar de cabeleireiro

Disponível em: http://www.fmanha.com.br/cultura-lazer/cinema-campista-sem-apoio-sofre-falta-de-identidade (acesso em 02 de novembro de 2015. Matéria publicada na versão impressa da Folha da Manhã em primeiro de novembro de 2015).

terça-feira, 15 de setembro de 2015

Cientistas políticos brasileiros e a conjuntura

As interpretações mais ou menos sistemáticas produzidas na academia sobre o fenômeno político brasileiro, seja na prática de uma "sociologia política" ou entre os ensaístas oriundos de diversas áreas de conhecimento, ou mesmo as produzidas após a institucionalização do primeiro programa de pós-graduação propriamente em Ciência Política, em 1966 na UFMG, quase sempre seguiram uma certa "vocação pública".

 Por "vocação pública" compreendo a disposição do conjunto de pesquisadores que se defrontam com o fenômeno "poder", algo que não é monopolizado de forma incontestável por um único campo de conhecimento, na busca por ofertar análises, interpretações, dados e afins, de modo a dialogar com a sociedade. Evitarei propositalmente o termo "esfera pública" por compreender que o conceito pode levantar polêmicas teóricas ou empíricas francamente desnecessárias.

Inclusive, evidentemente este não é um caminho de mão única. Se nossos analistas ofertam análises para a sociedade, esta, invariavelmente pauta boa parte da pesquisa realizada entre nós. Afinal, a academia não é dotada integralmente de agentes praticantes de solipsismo....

Retomando, justamente por estas análises deterem um "outro patamar" analítico, algo um tanto diferente das esbaforidas e muitas vezes viciadas "opiniões" encontradas fartamente na imprensa, penso que parte da "missão" da academia é assim cumprida. Ao romper com o por vezes necessário insulamento discursivo, algo que gera decerto pesquisas de fôlego e promove a formação/treinamento de novos profissionais para o próprio campo, especialmente aqui os cientistas políticos brasileiros apresentam contribuições criativas, por vezes provocativas.. Mas.. nunca inúteis. Justamente por todas que selecionei saírem da vala comum desnorteada encontrada alhures.

Irei apontar três profissionais da ciência política brasileira que neste momento se dedicam a este papel um tanto incômodo, o de comentarem a conjuntura em um momento delicado como esse no Brasil. Decidiram "surfar" a onda perigosa, indomável  e imprevisível do movimento histórico.. Por isso mesmo são importantes.

O primeiro deles é Wanderley Guilherme dos Santos. Como já chamei a atenção aqui, WGS prossegue com suas análises, muitas vezes contra-intuivas, em seu blog:  http://insightnet.com.br/segundaopiniao/. Justamente por serem contra-intuitivas, as polêmicas nem sempre justas pululam nos comentários....


Outro que destaco é Fabiano Santos (IESP/UERJ) que concedeu uma longa e densa entrevista para Miguel do Rosário em seu "Cafezinho".  A entrevista nos apresenta um conjunto de cenários, análise de comportamento de grupos, temas espinhosos como o impeachment e preocupações com a democracia representativa brasileira. A entrevista, intitulada "Opção pelo golpe vai ser cobrada na história" pode ser acessada aqui: http://www.ocafezinho.com/2015/09/15/fabiano-santos-opcao-pelo-golpe-vai-ser-cobrada-na-historia/ 

Finalizando as sugestões de leitura, Adriano Codato da UFPR tem se dedicado a compreender o fenômeno do crescimento da direita brasileira, seja em termos discursivos ou propriamente demográfico/eleitorais. Neste diapasão Codato, que já mantém uma larga experiência na análise das elites políticas brasileiras, concedeu entrevistas para o Mediapart (aqui), Valor Econômico (aqui), Agência Pública (aqui).... Ainda, sobre o autor, recomendo a visita em seu blog: o "Sociologia Política" que mantém um bom e eclético acervo sobre a área e análises de conjuntura.

Em suma, mesmo que dentre as narrativas em disputa na ciência política brasileira exista uma tentativa de se construir uma aura de uma ciência "ensimesmada", talvez aqui encontremos uma prova de cientistas políticos menos umbigocêntricos do que se poderia supor.


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Excelente entrevista do Bauman - "seus netos continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista"

Zygmunt Baumann, mais conhecido entre nós por sua "série líquida" (amor líquido, modernidade líquida, etc..), concedeu uma excelente entrevista no final de agosto deste ano para o Monitor Mercantil. 

Penso, inclusive, que esta entrevista interessa particularmente ao leitor brasileiro. Nestes tempos exageradamente trevosos, onde o pânico disseminado pela Grande Mídia faz produzir a sensação de que chegamos ao fundo do poço, leituras lúcidas de realidade sempre são importantes. Até mesmo para atacar crenças coaguladas e percepções que podem gerar profecias auto-realizáveis pelos próprios agentes. Ou seja, interpretações e análises podem ter mais alcance fático do que imaginamos, trazendo consequências que nem de longe são desejáveis. Só por isso a entrevista cumpre, desde já, um papel importante. 

Dentre outros pontos, dado que o foco central das questões transitava sobre a crise econômico-social no Velho Continente, Bauman nos brinda com algumas pérolas que confrontam diretamente o senso comum. Dada a abrangência, visto que a crise para qualquer analista que compreende a sutil relação partes/todo, o polonês dialoga com as diferentes camadas da realidade social selecionando novidades e continuidades entre os planos micro e macro-estrutural. Destaco algumas questões:

- o sociólogo, que atualmente é o vice-reitor da London School of Economics (LSE), embora cético, mantém um tom relativamente otimista quanto ao médio/longo prazos. Não se fixa de forma obsessiva na atual conjuntura. Em verdade compreende que o atual modelo societário, pautado pelo corrosivo binômio de financeirização e consumismo insustentável, apresenta sinais de profundo esgotamento. Inclusive, para asseverar este juízo, nota as revoluções moleculares que vão se multiplicando, mesmo que a passos muy lentos, ao redor do globo e nas sociedades ocidentais. Ou seja, há um facho de luz, mesmo que tímido, no final do túnel.;

- alerta quanto ao distanciamento da relação entre poder e política institucional. Isto não é exatamente uma novidade na literatura, seja sociológica, econômica ou filosófica: há um robusto distanciamento dos interesses vinculados ao capital "virtual" da especulação financeira e o restante da humanidade. Porém, algo que nos interessa especificamente acerca do funcionamento da política institucional nestes tempos, Bauman é claro ao afirmar sobre os limites das estruturas modernas formais. Partidos, parlamentos, ministérios, a despeito de sua vinculação entre esquerda ou direita do espectro ideológico, tem uma margem de atuação francamente limitada ante as pressões dos grandes agentes financeiros. Neste ponto o que resta é a impossibilidade factual da execução plena e ipsis litteris de promessas de campanha eleitoral nas nações ocidentais. Este é um ponto trágico para a imaginação política contemporânea... A sensação de um certo "estelionato eleitoral" talvez não seja a nossa jabuticaba afinal...

Em suma, recomendo vivamente a leitura que pode ser acessada aqui.

1º CONACSO - Congresso Nacional de Ciências Sociais - PPGCS/UFES

Prezad@s,

Divulgando o website do I CONACSO (Primeiro Congresso Nacional de Ciências Sociais), evento que ocorrerá na bela Vitória/ES entre 23 e 25 de setembro deste ano.

O Congresso está sendo organizado pelos(as) colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da UFES.

Divulguem e prestigiem... Inclusive o website está muitíssimo bem diagramado.... Deve ser um bom prenúncio do que vêm por aí no Congresso!

http://www.conacsoufes.com.br/

terça-feira, 1 de setembro de 2015

I SEMINÁRIO FLUMINENSE DE HISTÓRIA DO PODER E DAS IDEOLOGIAS 1964: DO GOLPE À DEMOCRACIA (LIÇÕES E PERSPECTIVAS)

Prezad@s,

Divulgando o I Seminário Fluminense de História do Poder e das Ideologias. O mesmo ocorrerá na UFF/Campos dos Goytacazes e maiores informações do evento podem ser encontradas no blog criado pelo pessoal do Grupo de Pesquisa sobre História Militar, Poder e Ideologia.

Divulguem e prestigiem!





sexta-feira, 31 de julho de 2015

A lava jato e a sociedade

Por George Gomes Coutinho

            Tornou-se tema inevitável e praticamente onipresente na sociedade brasileira, até pelo farto incentivo da Grande Mídia, a chamada Operação Lava Jato, impetrada pelo Ministério Publico Federal (MPF) e Polícia Federal (PF), desde março de 2014. De um lado, há aqueles que creem (só posso supor ser ato de fé e não mais do que isso) que se trata de uma verdadeira purificação da sociedade dos crimes, brechas e outros bichos gerados exclusivamente pela administração do Partido dos Trabalhadores nos últimos anos. Nesta perspectiva, admiravelmente rudimentar, a obscena história brasileira da relação entre público e privado tem seu início com o governo Lula e prossegue na gestão Dilma. Lula, neste caso, é o Alpha e para muitos, que Dilma seja o Omega para voltarmos a um estado de coisas hipoteticamente impoluto. Só hipotético... Sem desconsiderar o caráter delirante deste tipo de interpretação.

            De outro lado, entre diversos analistas e intelectuais vinculados aos setores progressistas da sociedade, a Operação Lava Jato tem se mostrado um verdadeiro circo de horrores na manutenção do Estado Democrático de Direito. Garantias fundamentais são atropeladas, provas aparecem e desaparecem, elementos discursivos são seletivamente fornecidos e alardeados pela Grande Mídia e, neste momento, se apresenta um novo grande anti-herói nacional: o delator “premiado”. O “x9”, o “dedo-duro”, o “cagueta”, que dentre diversos setores da sociedade sempre foi tido por um sujeito abjeto e covarde ganha todas as luzes possíveis da ribalta. Sobre esta figura Wanderley Guilherme dos Santos já fez ponderações muito interessantes em seu blog.

            Até agora de concreto o efeito produzido pela Lava Jato é a colaboração com o processo de desaceleração da economia em um momento absolutamente inoportuno. A crise do sistema econômico mundial, que provavelmente os leitores dos hebdomadários creem não existir a despeito das notícias internacionais que também estão fartamente disponíveis para qualquer interessado, prossegue de forma persistente. Conforme apontam de forma assistemática, talvez a Lava Jato já tenha “engolido” 1% do PIB neste cenário enervante. A questão é se este preço já pago redunda na entrega da cálida, úmida e caliente promessa suspirada nos ouvidos dos mais ingênuos: a “purificação” da sociedade brasileira dos danos produzidos pelo inimigo público número 1, o Sr. Luis Inácio Lula da Silva.

            Além de discordar de forma veemente que o Partido dos Trabalhadores tenha inventado a corrupção nesta parte dos trópicos, e que o próprio Lula seja o “coisa ruim” personificado, o que provavelmente esta leitura produz é nada menos que a ignorância sobre a própria sociedade onde estes fatos ocorrem. Além disto, a ausência de conhecimento lúcido trafega pelas águas turvas da igualmente ausente auto-crítica do próprio mercado. Esta instância, sempre apontada como tábua de salvação por liberais de todos os calibres, é não menos partícipe dos processos de corrupção que qualquer outro setor e tampouco se apresenta como ilha de eficiência em um oceano de incompetentes. Empresários, políticos, padres, médicos, policiais, juízes, garis, são todos recrutados em uma mesma sociedade. Para entender o atual estado de coisas, o pretérito e as perspectivas futuras, sem um entendimento adequado da própria sociedade estamos fritos.

            Algo que discuti com um amigo pessoal que vive entre a rapaziada do business: as empreiteiras e congêneres não querem mais operar com contratos públicos. A razão é simples. “Não compensa”, disse ele, justamente em virtude do incremento dos processos de accountability e governança que cresceram sistematicamente nos últimos anos no Estado brasileiro. Este setor, o do empresariado que opera grandes obras, embora seja leviano afirmar que “todos os gatos são pardos”, opera com trocas de favores, preços exorbitantes e outras tantas práticas que não constam nos manuais de boas maneiras. Trata-se de uma lógica predatória que mantém uma estrutura oligopolista, sendo o “livre mercado” uma quimera, um mero jargão... Há favorecimentos diversos, em dinheiro ou ações concretas, no setor privado. Claro que neste caso não entra o dinheiro público e o leitor pode bradar que “se danem todos”. Mas, o efeito mais imediato deste cenário é redução da velocidade ou mesmo a paralisação das obras públicas em todo país. Isto implica prejuízos imediatos para a população no fornecimento de serviços e na manutenção da infra-estrutura pública só recentemente alargada e recuperada após os anos de desmonte do Estado na gestão FHC.

            O que compreendo é que a Lava Jato, a despeito de sua pirotecnia e da constelação de interesses que atende, não modificará a sociedade. Não introduzirá “boas práticas” a fórceps. Tem servido sim, além dos efeitos danosos para a economia, para a criminalização da política partidária, o desgaste das instituições e o esvaziamento da arena pública pela transformação das grandes questões nacionais em simples “caso de polícia”. Em suma, a sociedade brasileira, que certamente modificou-se dramaticamente nas últimas décadas em um sentido positivo, manterá suas permanências seculares que antecedem, em muito,  a  fundação do Partido dos Trabalhadores em 1980.


            Concluindo, não estou aqui fazendo a apologia de qualquer prática ilícita. No meu mundo ideal, todo tipo de prática corrosiva seria investigada a despeito de quem quer que tenha praticado. A questão é que em uma sociedade habituada ao “jeitinho”, em um cenário de punição democrática, talvez não fique pedra sobre pedra. No caso da Lava Jato, é este o caminho que está sendo adotado. Cabe perguntarmos o que será posto no lugar após a assepsia.... Como tem sido lembrado alhures, na Itália das “Mãos Limpas”, que decerto não destruiu a máfia, se seguiu um Berlusconi. Desejo destino melhor para todos nós.

terça-feira, 7 de julho de 2015

Rock debaixo da ponte em 25 de julho e outras estórias



Prezad@s,

Desta vez venho divulgar o mini-festival batizado apropriadamente de "Resistência Goytacá".A agremiação de bandas independentes foi devidamente organizada pelo Sr. Anderson (Mais conhecido entre nós simplesmente por Kiko, bandleader da anárquica Tubarão Martelo). O festival, absolutamente irreverente e subversivo, marca uma tradição da cena de rock de Campos dos Goytacazes, RJ: a entrada, por vezes a base de pontapés, de espaços públicos. Cenários como a praça de Liceu de Humanidades, a praça XV de Novembro e, ultimamente, o medonho viaduto colocado no centro da cidade na época da Srª Rosinha Garotinho quando governadora do estado do Rio de Janeiro. Inclusive este cenário será o utilizado no próximo dia 25/07, entre 14 e 23 horas, por um público usualmente eclético e ávido por novidades. Não por acaso, o outro nome do festival é "Rock debaixo da ponte", uma alusão simbólica ao cenário independente de música local sempre desprovido de recursos. Desta edição participa um naipe de bandas que transita do blues ao reggae, do rock sulista brasileiro ao hard rock, dentre outros estilos e sub-estilos apreciados por aqueles que usualmente torcem o nariz para as programações em voga em nossa indústria cultural contemporânea e preguiçosa. Também cabe notar que teremos nos intervalos carrapetas e vinil sendo servidos em profusão para os convidados.

Uma questão fundamental: como é praxe em eventos dessa natureza, evidentemente a entrada é franca.

Nesta ocasião eu estarei presente tentando dar alguma colaboração com a produção de barulho. Para quem não sabe, para além da minha vida acadêmica, também tenho meus momentos de músico amador há pouco mais de 20 anos (o tempo passa!). Desta vez estarei com o projeto "Cães Malditos", uma aposta na sonoridade principalmente dos anos 1970.... Mas, como os Cães individuais tem passagens por diversos sub-estilos do rock, inclusive pelas vertentes mais agressivas em termos sonoros (trash, punk, hardcore e congêneres), nunca operamos um "cover" fiel . Porém, lhes asseguro que o repertório, onde são apresentados Deep Purple, Alice Cooper, Johnny Winter, permanece respeitando as raízes. 

Abaixo apresento um vídeo caseiro que conta já com quase dois anos de idade e funciona como uma amostra sobre o que estamos fazendo:
 



Enfim, divulguem, compareçam, prestigiem!

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Mal-estar cotidiano e a ausência de projetos estruturais na (semi)periferia

Mal-estar cotidiano e a ausência de projetos estruturais na (semi)periferia



            Nos dias que correm no Brasil é compartilhado um mal estar coletivo palpável. Não que este sentimento seja exatamente uma novidade na modernidade. Sigmund Freud em seu “Mal-estar da civilização”, texto datado de 1929, apontava o caráter paradoxal do progresso material, embora desigualmente distribuído pela própria estrutura inerente da sociedade, e uma sensação de fastio, melancolia, desamparo, etc.. Porém, nos cabe calibrar esta questão em termos históricos e contextuais.  Freud escrevia na Europa central, nos arredores da falência financeira desencadeada pelo colapso da Bolsa de Nova Yorque, um tanto perplexo com a convivência concreta do avanço da ciência e o que Jürgen Habermas chamaria posteriormente no final do mesmo século de “promessas não cumpridas do iluminismo”[i]. Em verdade, o que o chamado “pai da psicanálise” assinalou foi a constatação de que novos modos de viver produzem novas formas de sofrimento, dado que o objeto de análise  freudiana era nada menos que a falência da sociedade tradicional e a substituição desta por uma modernidade sempre a se construir. O sofrimento de Sísifo se atualizaria historicamente na chave menos ensolarada da interpretação da sociedade, tal como Adorno e Horkheimer procuraram igualmente demonstrar[ii].

            Retomando ao Brasil e particularizando este sofrimento, que não é um privilégio verde-amarelo e detém suas facetas singulares entre nossas fronteiras, é edificada a “sociedade de condomínio”, tão bem retratada por Christian Dunker[iii]. Esta sociedade de condomínio, falarei em termos bastante sumários, projeta uma forma de sociabilidade especial dotada, por um lado, na centralidade do consumo e uma (re)feudalização do espaço urbano.  O consumo como projeto de realização existencial, como se pode supor, não tem redundado em uma reflexividade mais robusta e avançada. De outro lado, a  (re)feudalização do espaço apenas torna mais aguda a separação dos desiguais envolvendo a apartação de formas de viver até fisicamente. Disto redundamos na ignorância mútua dos agentes e um empobrecimento discursivo/subjetivo importante, percepção somente amplificada pelo acompanhamento cotidiano das redes sociais.

            Nesse ínterim, tentando observar diretamente nossa conjuntura política nacional, a sensação de desconforto é persistente. Se por um lado não é injusto declarar que a esquerda não conseguiu construir um projeto interpretativo e programático suficientemente eficaz para os desafios de uma realidade (semi)periférica como a nossa[iv], por outro lado, a direita também aparentemente não tem conseguido fazê-lo. Em verdade, salvo soluções autoritárias de curtíssimo prazo, onde se produz uma sensação de segurança a partir do medo, a direita aparentemente fracassou entre nós em toda a nossa história. A esquerda, uma alternativa histórica suprimida por quase todo o século XX, falha miseravelmente em nossa conjuntura.

Neste vácuo de imaginação estrutural, até o presente momento parte dos debates que mais tem seduzido a chamada “opinião pública”, a despeito desta existir ou não[v], tem se centrado em “pautas de questão única”. Na literatura dos mecanismos de explicação dos gatilhos da ação coletiva, as chamadas “pautas de questão única”, envolvendo agentes específicos como o movimento LGBT, grupos étnicos e a “difusa agenda ambiental”, se tentam produzir avanços civilizatórios fundamentais, por outro lado, apenas de forma tangencial se defrontam com uma agenda estrutural. As vitórias neste sentido são vitórias de Pirro. Necessárias, decerto, porém insuficientes sem um projeto de sociedade que as torne sólidas e duradouras.

            Ainda, em nossa conjuntura, onde há um discurso combativo sistemático de enfrentamento das forças progressistas, seja criminalizando-as ou simplesmente tornando seu conteúdo reivindicatório objeto de ridicularização, soluções falseadas, não por acaso, tem pipocado e se alastrado mais que “chuchu na serra”. Justamente a pauta conservadora tem se construído a partir de “questões únicas”: a redução da maioridade penal como encaminhamento desejável e solução para a violência estrutural; o resfriamento dos avanços simbólicos e jurídicos que protegem agrupamentos étnicos ou LGBT; a destruição sem tréguas do Partido dos Trabalhadores como remédio para os males da política formal.

            Progressistas e conservadores, assim, armam seus grupos de forma mais similar do que pode supor nossa vã filosofia. Em paralelo, nosso projeto coletivo paradoxal  e realmente existente de “social rentismo” prossegue e preguiçosamente todos recusamos a pensar soluções complexas e estruturais para problemas que, em última instância, são da mesma natureza.  Talvez a reflexão de Marcos Nobre que nos convida a “Pensar o Brasil”[vi] faça todo sentido nos dias que correm. Ainda, intuitivamente arrisco afirmar que se não há “solução mágica”, o retorno das propostas estruturais, que envolvem modelar novos projetos de sociedade, se não elimina o mal-estar inerente, nos permite reabilitar uma esperança secularizada. Não mais e não menos.

George Gomes Coutinho




[i] HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade: doze lições. São Paulo, Martins Fontes, 2002.

[ii] ADORNO, Theodor W. & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985.

[iii] DUNKER, Christian Ingo Lenz. Mal-estar, sofrimento e sintoma. São Paulo: Boitempo Editorial, 2015.

[iv] Neste sentido que interpreto o mote de Wanderley Guilherme dos Santos postado em seu blog: “CHEGA DE TRANSFORMAR O MUND0; É INDISPENSÁVEL INTERPRETÁ-LO!”. Disponível em: http://insightnet.com.br/segundaopiniao/?p=100

[v] Bourdieu em seu texto clássico “A opinião pública não existe”. O texto, ácido e implacável, encontra-se disponível em formato PDF. Eis aqui um dos possíveis links de acesso: http://pt.scribd.com/doc/72698331/A-opiniao-publica-nao-existe-Pierre-Bourdieu

[vi] http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-33002014000300097&script=sci_arttext

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Lançamento de livros do grande Aristides Arthur Soffiati


Segunda Opinião - Blog de Wanderley Guilherme dos Santos

Eis que Wanderley Guilherme dos Santos, que considero um dos analistas políticos mais instigantes da atualidade, resolveu blogar!

WGS detém uma produção que considero inspiradora, sejam nos pequenos e inteligentes artigos reproduzidos na mídia alternativa, seja em artigos acadêmicos fundamentais ou mesmo na sua produção presente em livros abordando diversos temas. Inclusive ele até mesmo se arriscou na literatura há alguns anos atrás sempre em uma prosa elegante que cruza toda a sua produção.

Bem, sem mais delongas, espero que o projeto vingue e desejo uma longa vida a mais esta empreitada do WGS. Aqui está o link de onde se espera sempre um sopro de inteligência lúcida e crítica em uma esfera pública que padece de uma profunda e persistente indigência intelectual:

http://insightnet.com.br/segundaopiniao/

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Resenha: O necessário retorno às "Cartas da Mãe" de Henfil

Prezad@s,

Venho divulgar agora uma resenha que fiz do livro do grande Marcio Malta: "Diretas Jaz: O cartunista Henfil e a redemocratização a partir das 'Cartas da Mãe' de Henfil".



A resenha intitulada "O necessário retorno às 'Cartas de Mãe' de Henfil" pode ser encontrada no último número publicado da Revista Ponto-E-Virgula da PUC-SP.

O link para a resenha aqui:

http://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/view/22575/16397

Boa leitura!



Aula Inaugural - Programa de Pós-Graduação em Ciência Política - UFF Niterói

Prezad@s,

Venho divulgar a aula inagural do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF/Niterói.

A palestra promete... o Prof. Jessé Souza foi nomeado recentemente para a presidência do IPEA:

“AS CLASSES SOCIAIS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO”
Jessé de Souza
Professor Titular do Departamento de Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFF.



Dia: 6 de abril
Horário: 16:00 horas
Sala: Auditório do Bloco B – 2º andar
Campus dos Gragoatá - Niterói, RJ

quinta-feira, 26 de março de 2015

Política e globalização: das aporias da sociedade civil global para os espaços públicos transnacionais publicado na REST 3

Prezad@s,

Venho divulgar um artigo que produzi há algum tempo intitulado "Política e globalização: das aporias da sociedade civil global para os espaços públicos transnacionais". O mesmo foi publicado em 2014 no número 3 da Revista Brasileira de Estudos Estratégicos (REST), vinculada ao Instituto de Estudos Estratégicos (INEST) da Universidade Federal Fluminense.

Eis o resumo do meu artigo:

"Na contemporaneidade a política, enquanto um dos espaços de realização das grandes questões da humanidade, se apresenta desconcertada mediante as modificações estruturais da sociedade que conhecemos como globalização. Esta compressão espaçotemporal acelerada nas últimas décadas certamente atingiu o imaginário das Ciências Sociais produzindo aporias teóricas fantasmáticas que mais ocultam do que explicitam as possibilidades de pensarmos a emancipação humana diante dos recursos contraditórios disponíveis. Neste cenário, apresentamos a proposta envolvida no conceito de Espaços Públicos Transnacionais onde um realismo  crítico se articula enquanto via de dissipação da oclusão interpretativa normativista hegemônica."

Este número é um "número ampliado" da REST e materializa os esforços do INEST em retomar a publicação. Portanto, é um número extenso e variado, trazendo temas diversos que dialogam propriamente com questões estratégicas, relações internacionais, segurança nacional, etc.. Assim, é altamente recomendável para os estudiosos da área conhecer a publicação e este número em especial.

O link para download da REST 3 integral: http://www.inest.uff.br/images/REST-ARTIGOS/n3vol1/REST_3.pdf

Boa leitura!

segunda-feira, 23 de março de 2015

Lançamento do livro: "Quando custa ser pescador artesanal" de José Colaço na UFF/Campos

Com orgulho venho divulgar o lançamento do livro "Quanto custa ser pescador artesanal" de José Colaço Dias Neto... Será na próxima quarta-feira, dia 25/03, na UFF/Campos.

Anexo aqui no post o convite para que todos que tenham interesse divulguem e prestigiem.

Por fim, parcas e sinceras palavras... Zé, como o chamo há quase duas décadas, é um etnógrafo de mão cheia... portanto, para quem tiver interesse, será um belo momento de debate e aprendizado. Sobre a obra, Zé me deixou um exemplar "recém saído do forno" e fiquei muito impressionado com a qualidade do projeto editorial.... Tanto editora quanto o autor estão de parabéns pelo rebento! Folheei o material e é uma prosa fluída, objetiva, humanista sobre relação homem X natureza pela ótica da pesca artesanal. Altamente recomendável!

segunda-feira, 16 de março de 2015

Sobre as manifestações de 13 e 15 de março de 2015 e suas demandas: uma outra perspectiva

Sobre as manifestações de 13 e 15 de março de 2015 e suas demandas: uma outra perspectiva

Como apontaria Hegel em sua Filosofia do Direito, a coruja de Minerva só levanta voo ao anoitecer. Esta imagem, a um só tempo poética e dotada de forte caráter metodológico, funciona como um alerta à ansiedade de elaborar análises no calor do momento. Nas ciências sociais, e também com a historiografia, aprendi a tentar conter o ímpeto da análise apressada onde serve-se prato cru, frio e por vezes indigesto da informação replicada de forma impulsiva. Inclusive, é fora deste afã ansioso que as análises de conjuntura, sempre um exercício arriscado, podem trazer insights produtivos.

Também, por outro lado, uma análise de Day after certamente não conseguirá esgotar as consequências históricas das manifestações ocorridas no Brasil de sexta-feira para cá. Somente os próximos meses, quem sabe até anos, irão digerir em sua plenitude as demonstrações das ações coletivas que assisti em um mix de perplexidade, algo de preocupação e pitadas de admiração.  Contudo, um breve esforço de análise pode ser um exercício interessante de tentativa de organização ante as partículas que ainda estão em suspensão na arena pública nacional neste momento.

Primeiramente, uma constatação que tem sido partilhada por analistas como Bresser-Pereira (aqui), Marcos Nobre (aqui) e Vladimir Safatle[i] (aqui). O Brasil não é o mesmo de poucas décadas atrás. As mudanças de impacto macro e microeconômico ensejaram modificações profundas na estrutura da sociedade brasileira. Um mercado de consumo pujante, algo que teve suas bases construídas ainda no estabelecimento do plano real e aprofundada nas gestões Lula e Dilma, a entrada de milhões de pessoas neste mesmo mercado, ação fomentada pelo Partido dos Trabalhadores com medidas de enfrentamento estrutural da pobreza, a preferência relativamente estável pela democracia representativa liberal como método de seleção de governantes após diversos momentos históricos de interrupção violenta da trajetória institucional em curso... Em suma, nestas poucas décadas após a ditadura civil-militar, seja porque o mundo não é o mesmo (variáveis exógenas), seja pelas decisões dotadas de caráter vinculante no âmbito da política nacional (variáveis endógenas), não é exagero falarmos em “um fim de uma era”. Não por acaso os termos “social-desenvolvimentismo” ou “social-rentismo” tem sido aplicados como substitutos do modelo anterior de nação chamado “nacional-desenvolvimentismo”.

Porém, este novo modelo de autocompreensão da sociedade e que, portanto, deriva de um conjunto de opções valorativas e normativas que direciona os processos de tomada de decisão, encontra-se em uma situação delicada. As estratégias de inclusão de grandes parcelas da população no mercado de consumo vivem hoje um dilema periclitante, dado que ironicamente padecem de seu próprio sucesso. A entrada desses agrupamentos sociais no âmbito do consumo se deu majoritariamente em decorrência de conjunturas específicas, dentre elas: a) a alta demanda de commodities atrelada a preços comparativamente vantajosos no mercado internacional; b) o aquecimento de alta voltagem do mercado de consumo interno, algo que auxiliou de forma inegável a manutenção do crescimento interno da economia. Estes dois elementos combinados tornaram sustentável a legitimidade do PT, especialmente o governo Lula, perante o cenário político nacional. Mesmo sendo acompanhado de análises francamente negativas de boa parte da grande mídia, a economia e a “novidade” apresentada pela democratização do mercado tornou a gestão Lula blindável. Evidentemente, o mesmo cenário não está sendo experimentado pela gestão Dilma da segunda metade de seu primeiro mandato para cá.

Ora, é lugar comum na análise política o reconhecimento de que conjunturas econômicas adversas produzem impacto substantivo na força de todo e qualquer projeto de legitimação. Penso que é sob este olhar mais “terra-terra” que deve ser compreendida a razão pelo qual tem ecoado uma profunda insatisfação neste início de segundo mandato de Dilma Rousseff. Até porque, o cenário de uma mídia “oposicionista” é presente desde o início do primeiro governo Lula.

Prosseguindo, em virtude disto, discordo profundamente da perspectiva que deposita na grande mídia a orquestração das ações coletivas de 15 de março. Se esta seletivamente pretende “surfar” este movimento de massas e, evidentemente, fornece boa parte dos elementos discursivos que estão presentes nas passeatas e cartazes, a aposta de que esta teria sido a grande responsável me parece insustentável. Houve a adesão e tentativa de direcionamento sim. Contudo, esta análise despreza de forma surreal a constelação de interesses que estavam representados nas manifestações....Os interesses dos grandes grupos de comunicação de massa são só uma fração, importante decerto, mas não conseguem esgotar o fenômeno.  Inclusive a porosidade dos discursos que penetram em parte da sociedade civil insatisfeita se realiza, em minha leitura, por conta da ausência de aprendizados democráticos e são fruto do empobrecimento da imaginação política que é derivada diretamente da asfixia da diversidade comunicativa operada por 21 anos de repressão política implacável na ditadura civil-militar.

Ainda, pensando no que mobiliza os agentes, arrisco dizer que os interesses também devem ser mobilizados nos esforços interpretativos das manifestações de 13 de março... Mas, não menos no caso de 15 de março...

Retomando o ponto onde abordo as profundas modificações ocorridas no Brasil nos últimos anos, temos um novo cenário cognitivo também entre os cidadãos: diversos estratos sociais obtiveram ganhos significativos em termos concretos e destes ganhos, produto de um movimento de mobilidade social extraordinária, não há quem deseje abrir mão. Sobretudo ao que chamam de “nova classe média”, os mais realistas alcunham de “nova classe trabalhadora”, que adentrou ao consumo de bens, mas questiona duramente a qualidade dos serviços ofertados. Em suma, estas modificações são oriundas do sucesso de medidas inclusivas e ampliação de direitos. Contudo, neste horizonte, seria natural que a velocidade lenta dos investimentos em infra, logística e etc, produziriam no mínimo mau humor. Em anexo, o cenário de desaceleração econômica atrelada ao cadáver insepulto inflacionário, imaginário ou não, torna a questão ainda mais explosiva. Afinal, dentre as questões inegociáveis deste “novo Brasil”, alta inflacionária simplesmente não é uma opção.

Concluindo, acredito que debates como “a reforma política”, a genérica bandeira do “enfrentamento da corrupção” e a “democratização da mídia” são tímidos. Justamente por desconsiderar questões muito mais concretas e, assim penso, urgentes na continuidade do enfrentamento da desigualdade social ainda estrutural no Brasil. Para que o “social-rentismo” torne-se verdadeiramente um “social-desenvolvimentismo” uma revolução tributária urge e é a grande ausente nas últimas manifestações. As medidas de ajuste fiscal, repetidas como um mantra, são insuficientes para o financiamento de um projeto de inclusão estrutural onde o Estado é o principal agente econômico. Sem o enfrentamento lúcido do gargalo tributário brasileiro pouco teremos de avanços concretos e profundos nos próximos tempos. De outro modo, não desconsiderando que qualquer outro conjunto de mudanças produza avanços, compreendo que estes não são decisivos enquanto se ignora o projeto de sociedade que tenha enquanto valor inegociável princípios de justiça tributária e eficiência de manejo e arrecadação fiscal.

George Gomes Coutinho




[i] Certamente há outras análises de diferentes matizes. Porém, irei me ater a estes nomes citados pela simples razão de ainda não ter feito um balanço da bibliografia produzida a respeito. Por fim, para a construção do argumento neste pequeno texto, a menção aos três citados é funcional ao conjunto de argumentos que apresento.

sábado, 21 de fevereiro de 2015

Apresentação - Autopoiese e Virtu

Apresentação - Autopoiese e Virtu

George Gomes Coutinho

Eis que retorno ao mundo dos blogs. Prevalece aqui a máxima heraclitiana: nem o autor, nem os blogs e tampouco os softwares são os mesmos. Quando comecei a dialogar com as chamadas “novas tecnologias de informação”, hoje já não tão novas assim, adjetivavam a Web de “1.0”. Até pouco tempo atrás já se tinha atingido a “web 2.0” onde novas funcionalidades e possibilidades de interação se apresentam em uma desconcertante velocidade. Talvez o diagnóstico de “mundo em descontrole” de um Giddens no  aparentemente já longínquo final da década de 1990 tenha lá sua validade. Todavia, as ingenuidades ou entusiasmos descalibrados de outrora hoje dão lugar a lúcidas leituras nas ciências sociais que a um só tempo indicam tanto as mudanças quanto também as permanências, para o bem ou para o mal.

É neste zeitgeist que este blog se insere. Trata-se de um projeto despretensioso, dado o caráter de “artesanato intelectual” que o guia, onde se aposta que as ciências sociais podem fornecer chaves interpretativas valiosas para o “homem desbussolado”[1] dos dias que correm. Decerto, de forma não menos relevante que as ciências da alma, as ciências da sociedade são, desde o século XIX, observatórios atentos deste palco sem um diretor consciente que é o mundo. A cumulatividade da produção da sociologia, ciência política e antropologia, pelo seu caráter de “dupla hermenêutica”, é mobilizada pela própria sociedade em seus esforços de auto-interpretação, adentrando o cotidiano, noticiários e best-sellers. Porém, justamente pela necessidade do retorno da reflexividade, aqui no movimento de contrapelo, penso que é uma tarefa primordial nos dias que correm que as ciências sociais problematizem seu impacto na esfera pública em prol de um projeto de sociedade radicalmente humanista. Até porque, a redução sociológica quando utilizada de forma pouco consequente produz mais ônus que bônus. Digo isto após uma certa perplexidade que me atingiu ao acompanhar a produção da mídia nos últimos tempos. Honestamente, não imaginava que poderiam utilizar conceitos sociológicos, mesmo que de forma pastichizada, para justificar argumentos xenofóbicos, racistas e congêneres.

Com este conjunto de “boas intenções”, onde dizem ser o inferno o espaço privilegiado das mesmas, pretendo trazer algumas reflexões especialmente inspiradas na sociologia e na ciência política. Antes que a lembrança da antropologia se manifeste, peço  paciência ao leitor. Meus estudos se dão em um período de alta especialização e por isso me sentirei mais a vontade no terreno acidentado de minha formação que se deu concentrada nas duas grandes áreas das ciências sociais supracitadas. Trata-se de uma honesta confissão de limitação intelectual. O que não impedirá a apropriação de outras fontes de conhecimento sempre que o senso de perigo deste sociólogo/cientista político estiver suficientemente adormecido. Lembrando a máxima de  Hayek, se para um economista ser um bom economista ele precisa ser mais do que um economista (perdoem pela proposital redundância), acredito que o mesmo se aplica para todas as outras áreas  de conhecimento.

Para um primeiro post, penso que é um gesto de delicadeza informar ao leitor duas grandes questões. Primeiro, o conjunto de temas que estarão aqui (re)interpretados. Em segundo momento, esclarecer o título do blog inspirado em dois conceitos que julgo fundamentais e são estruturantes dos esforços que se seguirão neste work in progress.

O primeiro ponto: as atenções estarão voltadas prioritariamente para questões de cunho  político. Ao pensar a política, não estou restringindo essa atividade ao seu aspecto formal ou institucional, nem à pequena e tampouco à grande política. Se a política tem por razão de sua existência a tomada de decisões dotadas de caráter vinculante para a sociedade, muitas vezes pensar as franjas da formalidade dos processos de tomadas de decisão é ajudar a compreender a formação da ação politicamente orientada, seus conteúdos, projetos em disputa, elementos simbólicos, etc.. Se não tenho a intenção de aprisionar o homem ao zoon politikon aristotélico e compreendo a “relativa autonomia” das outras facetas da ação humana, por outro lado compreendo que por vezes é no trabalho de composição analitica “indireta” que podemos derivar boas e importantes reflexões sobre os fenômenos políticos. Sobretudo se compreendo que a esfera política interpreta a sociedade tanto quanto é interpretada por esta, não obstante sua especificidade enquanto esfera que a demarca e a singulariza. Por isso, também a face mais evidente do “fazer política” estará presente. Ao mesmo tempo, concordando com Fredric Jameson[2], reconheço a presença de um “inconsciente político” em toda produção humana dotada de caráter simbólico. Este “impensé” encontrável na cultura em sentido amplo, também estará presente em diversas ocasiões e análises.

Após esta explicação ao menos ganho uma boa desculpa teoricamente orientada para discutir sobre arte, cotidiano, economia e outros bichos. Assim, embora a política seja o tema privilegiado, outros tantos surgirão dado que o autor mantém uma cognição seletivamente imprudente. A forma que adotarei será prioritariamente de crônicas. Imagino que é o mais adequado para um blog com estes objetivos, embora que por vezes irei me arriscar em outros formatos sempre que julgar necessário. Afinal, compreendo que aqui estou fazendo também um projeto de “divulgação científica”, tarefa que julgo imprescindível para o fomento de uma cultura de ciência, seja hard, soft ou so so no Brasil do século XXI.

Agora o momento mais delicado. Explicar, mesmo que de forma sucinta, os dois conceitos díspares no tempo e no espaço que funcionam como estruturantes neste blog. O primeiro deles, a autopoiese, encontra seu nascedouro no neosistemismo da segunda metade do século XX, especialmente capturado para a sociologia contemporânea pelo alemão Niklas Luhmann (1927-1998). A virtú, parceira conceitual da fortuna, é chave interpretativa ascética do realismo político de Nicolau Maquiavel (1469-1527) .

 A escolha da autopoiese se dá por um princípio hermenêutico. Ou seja, o conceito, explícito ou não, me auxilia a interpretar a realidade. Maturana e Varela, dois biólogos chilenos, provavelmente levaram a patamares radicais a questão de que todos os componentes da realidade de alguma maneira “interpretam” e conhecem seus arredores. Porém, não o fazem de forma neutra e asséptica. O fascinante é que esta interpretação, onde conhecer o mundo é um elemento inelutável da própria vida, ocorre a partir de seus próprios termos, sendo a natureza “cognoscente”. Ou seja, vivemos em um mundo complexo  onde o observador é observado sendo estas posições relativas. Afinal, onde todo(as) são observadores, somos objeto de curiosidade tanto quanto nos relacionamos com esta realidade com o mesmo ímpeto.

Luhmann em sua vasta produção aplica este conceito à sociedade. Compreendendo a realidade como uma totalidade formada de observadores mútuos auto-referentes (autopoiéticos), onde justamente daí podemos compreender a complexidade de uma sociedade em um movimento constante de interpretações, interferências, seletividade, contingências, qualquer ingenuidade hermenêutica é desautorizada. Neste sentido, uma noção de “totalidade estrutural/estruturante” subjaz ao que pretendo fazer aqui neste exercício do blog. Embora que, como o próprio Luhmann reconheça, nem sempre estas correlações serão explicitadas em toda análise. As noções de autopoiese, complexidade e totalidade muitas vezes serão o “non-dit”. Porém, não quer dizer que não estarão presentes.

Já a virtú maquiaveliana é nada menos que a luz interior, disciplinada, ascética de onde o homem moderno retira suas energias. Maquiavel, justificadamente reconhecido por fazer uma leitura mundana e dessacralizada da política e de suas instituições, compreendeu em sua labiríntica produção que a virtú funciona como um elemento de sobrevivência para o homem político diante dos enfrentamentos existentes na constelação de interesses. Evidentemente sem a fortuna, a boa sorte proveniente das contingências conjunturais, projetos políticos podem não obter êxito. Mas, a virtú é realmente a única grande energia manipulável pelo indivíduo. Nem boa e nem má em termos absolutos, a virtú não idealizada em Maquiavel implica a capacidade de agir em toda e qualquer circunstância e em acordo com a necessidade.

Retomando a síntese que direciona os esforços deste blog, minha leitura do mundo não é desinteressada. Faço este exercício de forma conscientemente autopoiética, tendo por ponto de partida hermenêutico as ciências sociais. Por outro lado, não sendo de forma alguma uma atividade pautada pelo mera opinião, esta virtú é colocada como meta ética de uma prática que se pretende sistemática, ou até mesmo um  ethos que julgo imprescindível para todo e qualquer analista. Sem mais delongas, por isso o nome: autopoiese e virtú. 

Antes de finalizar, um breve agradecimento. Primeiramente ao Marcio Malta, o “Nico”, cartunista e colega de ciência política do Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos que forneceu generosamente o banner que é nosso cabeçalho. Igualmente agradeço aos companheiros de “Outros Campos”, experiência exitosa no espaço virtual que contribuiu de forma singular com as tentativas de enriquecer a esfera pública da região Norte Fluminense entre os anos de 2008 e  2010. Deste momento pretérito cooptei o Paulo Sérgio Ribeiro Jr. que neste início de 2015 se encontra em Alagoas trabalhando. O colaborador eventual supracitado promete aparecer sempre que puder. Ressaltando o experimentalismo deste blog, não duvido que outros(as) possam também colaborar. Ainda, agradeço afetivamente à Angellyne que tem sido uma incentivadora entusiasmada de meus projetos profissionais e pessoais.

Por fim, aos que tiverem interesse e paciência de acompanhar as incursões neste espaço,  lhes desejo boa(s) leitura(s) e não se acanhem em participar com sugestões, críticas, etc..



[1]             Termo utilizado alhures pelo psicanalista Jorge Forbes. Recomendo para o leitor a leitura de “Você quer o que deseja?” de Forbes para conhecer o homem desbussolado e outros personagens.
[2]             Refiro-me ao livro “O inconsciente político” do crítico norte-americano Fredric Jameson.