quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Paulo Freire e o Google Scholar – Um diálogo com Paul Spicker - Parte III

Como última parte do diálogo com Paul Spicker sobre Paulo Freire e sua popularidade no Google Scholar, apresento neste post a tradução livre para o português que elaborei dos comentários originalmente publicados aqui em língua inglesa. Como se trata de uma primeira versão, podem ocorrer correções que eu mesmo identificarei ou que serão sugeridas pelos(as) leitores(as). Boa leitura!

As pessoas que estudam Políticas Sociais podem esperar encontrar uma grande quantidade de trabalhos em Ciências Sociais. Todavia, em virtude dos pesquisadores virem para o campo de diferentes disciplinas, o escopo inclui uma seleção bastante eclética de material proveniente da sociologia, economia, ciência política e outros campos de conhecimento. Meu website pessoal (www.spicker.uk) oferta uma introdução às Políticas Sociais e, como parte do meu trabalho, sugiro por lá leituras e aponto para as fontes bibliográficas. Em virtude disto, eu estava interessado em descobrir quais trabalhos eram os mais freqüentemente citados em Políticas Sociais e, então, apliquei um teste simples: qual o quantitativo de citações seriam encontradas no Google Scholar?
Este é um indicador  um tanto tosco e há algumas precauções óbvias ao se fazer uso do mesmo. A primeira é que os trabalhos “internacionais” serão citados em maior profusão do que textos importantes de alcance nacional – o relatório Beveridge, o qual legitimamente pode ser visto como a inspiração para diversos Estados de Bem Estar Social, não é tão freqüentemente citado ao ponto de ser incluído na lista. Em segundo lugar, a contagem é tendenciosa em favor dos países dotados das maiores indústrias acadêmicas – o material publicado nos EUA obtém maior atenção do que os textos publicizados na Europa. Por fim, textos que atraem as pessoas em disciplinas mais largamente difundidas tendem a ser sempre mais citados do que a produção de campos mais especializados: há mais pessoas estudando sociologia do que administração pública por exemplo.
No topo da lista, com mais de 51.000 citações acadêmicas, encontra-se o livro de Paulo Freire, A pedagogia do oprimido. O livro de Freire é internacional em termos de alcance, sendo lido principalmente por traduções. É largamente citado na educação e no trabalho comunitário. Isto posto, sua proeminência e popularidade continuam impressionantes – seu alcance e influência deixam os outros trabalhos  comendo poeira.  Já ouvi referências ao trabalho vindas de trabalhadores comunitários, educadores e funcionários de autarquias locais na Escócia e na Inglaterra. Em suma, o livro é parte da paisagem intelectual – um trabalho clássico onde se espera que as pessoas tenham que se ver com ele em um dado momento.
A obra Pedagogia do Oprimido combina teoria e prática, e esta combinação é central para os estudos em Políticas Sociais. Ele é aberto ao desafio em ambos aspectos (teoria e prática)[1]. Enquanto teoria, a argumentação de Freire sobre opressão e liberdade por vezes o leva a subestimar a evidente, porém implícita, ênfase na solidariedade e na ação coletiva. Realmente não é suficiente dizer para as pessoas que elas se libertarão simplesmente se elas rejeitarem a opressão:  “A Pedagogia do oprimido... faz da opressão e suas causas objeto de reflexão do oprimido e, a partir desta reflexão, torna necessário seu engajamento na luta por sua libertação[2].

Enquanto prática, Freire parece por vezes mais preocupado com o ambiente político do que com a obtenção de resultados. A minha própria formação é em direitos de Bem Estar e, por vezes, eu fico desesperado com meus colegas que estão mais preocupados com o alargamento das experiências de aprendizagem dos pobres do que em fazer algo com a sua pobreza propriamente dita. Nos Estados Unidos, o trabalho comunitário – tal como implementado pelos ex-agentes comunitários Barack Obama ou Hillary Clinton – é mais afeito a se utilizar da obra maliciosamente pragmática de Saul Alinsky do que das posições abertas por Freire.

Eu prefiro pensar que o mundo se transformou desde Freire. Pelo mundo as técnicas que costumavam ter um uso extra-cotidiano tornaram-se parte da rotina da governança democrática. Organizações internacionais são profundamente engajadas em empoderar  a deliberação coletiva e a capacidade de desenvolvimento das comunidades. Porém, precisamente por conta destas abordagens serem agora tão difundidas,  o trabalho que as apresentou é mais citado do que nunca.






[1] Inserção minha. Os parênteses não constam na versão original dos comentários de Spicker.
[2] Spicker não explicitou em seu comentário de onde foi retirada esta citação. Talvez em uma segunda versão desta tradução eu consiga do próprio autor a referência... Por ora esta lacuna não impede a compreensão geral do comentário elaborado por ele.

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